Por Karla Ferreira de Camargo Fischer

O direito real de habitação, instituto previsto no art. 1.831 do Código Civil, possibilita ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, permanecer residindo no imóvel que servia de residência familiar, quando do falecimento do outro consorte. Trata-se de um direito protetivo ao cônjuge ou companheiro sobrevivo e tem caráter gratuito, não sendo possível exigir qualquer contrapartida financeira pelo seu exercício em favor daqueles herdeiros que não usufruem do bem.

Tal instituto é deferido ao cônjuge ou companheiro supérstite, independente do regime de bens do casamento ou da união estável e ainda independe do fato de haver direito a herança ou meação sobre o bem. Em outras palavras, mesmo que o cônjuge ou companheiro sobrevivente não tenham qualquer parcela de propriedade em relação ao imóvel que servia de residência a família, seja por direito a meação decorrente do regime de bens do casamento ou da união estável, seja por direito a herança, o exercício do direito real de habitação não é impactado.

Sua finalidade é garantir o direito a moradia ao cônjuge ou companheiro sobrevivente preservando o imóvel que servia de residência familiar. O instituto impõe uma limitação ao direito de propriedade, imposto aos herdeiros do falecido, não possibilitando exigir uma contraprestação pela sua usufruição.

Apesar deste entendimento já estar consolidado no Superior Tribunal de Justiça, a Corte Superior reafirmou seu posicionamento no julgamento do RESP 1.846.167, ocorrido no mês de março de 2021. No caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou (i) a extinção do condomínio, formado entre as filhas do casamento anterior do falecido e a companheira sobreviva e a filha comum, que permaneciam residindo no imóvel, e (ii) o dever de pagamento de aluguel às herdeiras que não usufruíam do bem.

A decisão proferida pelo TJSP foi reformada pelo STJ sedimentando o entendimento de que a companheira sobreviva pode continuar a residir no imóvel, sem a necessidade de pagar qualquer remuneração às demais herdeiras, coproprietárias do bem quando receberam a herança do antigo proprietário. Para a Ministra Nancy Andrigui, relatora do recurso, o objetivo do direito real de habitação “… é assegurar que o viúvo ou viúva permaneça no local em que antes residia com sua família, garantindo-lhe uma moradia digna”.

O direito real de habitação é garantido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, de forma vitalícia e personalíssima, possibilitando-o continuar residindo no imóvel que servia de lar conjugal até seu falecimento.

Para além de um simples direito a moradia digna, o direito real de habitação acaba por garantir a permanência do(a) viúvo(a) em seu lar, o qual pode lhe trazer alento e conforto em razão da perda de um parceiro de vida. Esse entendimento já foi, inclusive, sedimentado pela Terceira Turma do STJ, quando do julgamento do REsp 1.582.178/RJ, informando que “o objetivo da lei é permitir que o cônjuge sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar”.

Neste sentido o direito real de habitação pode ser entendido não apenas como uma garantia à moradia, mas sim como uma garantia a preservação dos vínculos afetivos, garantindo não apenas um teto ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, mas também os vínculos estabelecidos em razão da comum plena de vida construída pelo casal.

Em que pese à jurisprudência consolidada sobre a temática, importante salientar que tal proteção conferida ao cônjuge ou companheiro supérstite é deferida em relação ao imóvel que servia de residência à família e que pertencia apenas ao falecido. Ou seja, caso a residência familiar estivesse fixada sobre imóvel que não pertencia exclusivamente ao de cujus o coproprietário do bem não poderia ser onerado com a fixação do direito real de habitação.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou pedido de uma viúva que pretendia ter reconhecido o direito real de habitação sobre o imóvel que residia, mas que havia sido adquirido pelo falecido em copropriedade com terceiro. No caso, a decisão foi proferida em Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1520294-SP (julgamento em 26/08/2020) opostos pela viúva em face de acórdão proferido pela 3ª Turma do STJ, onde foi firmado o entendimento de que não se pode aplicar o direito real de habitação em propriedade adquirida antes do casamento pelo falecido em copropriedade.

Nos embargos, a viúva alegou divergência de entendimento da matéria entre os órgãos julgadores da Corte Superior, fundamentando seu pleito no direito a moradia, pautada na aplicação do direito real de habitação. No entanto, a Ministra Relatora Isabel Galotti frisou que o direito real de habitação é uma exceção prevista no ordenamento jurídico, de modo que não pode haver interpretação extensiva pretendendo ampliar o sentido da norma e incluir situações não previstas em lei, como é o caso da copropriedade do imóvel com terceiros. Aduz ainda que a limitação ao direito de propriedade não pode ser imposto a outro coproprietário, apenas aos herdeiros do de cujus.

Desta breve análise sobre o direito real de habitação pode-se concluir que o instituto previsto no art. 1.831 do Código Civil aplica-se tanto as relações decorrentes do casamento como àquelas decorrentes da união estável, sendo um instituto protetivo ao cônjuge ou companheiro sobrevivo que não admite qualquer contraprestação pecuniária para seu exercício. No entanto, tal direito apenas incide sobre o imóvel de propriedade unicamente do falecido e que servia de residência familiar uma vez que, tendo o imóvel outros coproprietários além do falecido, estes não podem ser onerados pelo exercício do direito real de habitação.